sábado, 18 de abril de 2015

“É absurdo pais não irem às ruas com greve de professores”, diz docente da USP

Defensor da gestão democrática da escola, o professor da USP Vitor Henrique Paro se indigna ao falar sobre a dissociação entre a escola e a comunidade e o ensino e a realidade das crianças. Para ele, é absurdo os professores entrarem em greve sem que os pais estejam nas ruas defendendo a melhoria da educação pública.

Vitor Henrique Paro, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Paro acaba de lançar o livro “Diretor Escolar: Gerente ou Educador?” (editora Cortez) em que explora as funções do diretor e a realidade de escolas públicas e o objetivo da educação.
O pesquisador da Faculdade de Educação recebeu a reportagem do iG para uma longa conversa sobre o papel do diretor, as avaliações de desempenho e a relação entre pais e escolas.
Confira abaixo a entrevista:
iG – O MEC lançou neste ano uma consulta pública pedindo ideias para a valorização do diretor. Em São Paulo também a rede estadual lançou uma política de valorização do diretor. Como o senhor vê esse tipo de política que está sendo levantada?
Vitor Paro – Por que valorizar o diretor? Que preocupação é essa com o diretor? Há a preocupação em valorizar o diretor, valorizar o professor, valorizar a escola e ninguém se preocupa de repente com pra que que serve a educação. Educação serve para valorizar o aluno. Você tem que pensar primeiro no que favorece a formação do cidadão, que é o papel da escola formar um cidadão consciente que tenha acesso à cultura no seu sentido mais pleno e depois pensar no que é preciso fazer para que isso funcione.

“Ninguém se preocupa com pra que que serve a educação. Educação serve para valorizar o aluno
Isso é até um pensamento bastante administrativo. Todos os administradores pensam nisso: qual o objetivo que eu tenho e como é que eu vou chegar lá. Se você quer valorizar o aluno, você tem que pensar em que escola é essa e depois questionar se é o caso de ter um diretor.
As últimas críticas que se faz a respeito da educação chegam à conclusão de que a escola a rigor não precisaria de um diretor, precisaria de uma equipe que estivesse estruturada para fazer a escola andar.
iG – No livro, o senhor discute se o diretor tem funções de gerente ou de educador. Para você, qual seria o papel ideal do diretor?
Paro – Primeiro tem-se de pensar em uma administração que é uma mediação para que os meios sejam usados da melhor maneira possível e adequados aos fins, e isso não é levado em conta na educação. Quando você vai fazer um automóvel ou uma geladeira, você pensa nos meios que são necessários para construir aquilo. Na educação, não. Você usa muitas vezes os meios que são usados para construir uma geladeira e não para produção de seres humanos. Para a produção de seres humanos, você precisa de princípios de educação que levem à apropriação do saber. Na escola, isso não é feito.

Quais são as metas do MEC? Atingir determinados escores. O que se pensa da criança? O que se espera da criança? Que ela consigo responder a umas tantas perguntas de uns testes e [a escola] não está preocupada de maneira nenhuma que a sociedade se aproprie da educação e da cultura. Não há a preocupação da escola de formar seres humanos-históricos. Ser humano que tem autonomia para se apropriar da cultura, que não é apenas saber ler, escrever e contar, que é o que se avalia nas avaliações da vida.
Depois [as notas] vão parar no Pisa [avaliação internacional] como se a educação brasileira fosse daquele jeito. Não é, é muito pior, apesar de estar mal colocada. Não significa que por ter respondido àquelas perguntas, por ter feitos aqueles “x” na frente, ele entende alguma coisa.
A situação é tão dramática que, quando você entra lá na escola, os professores, que antes tentavam ensinar a ler, a escrever e a contar, agora estão tentando treinar os alunos para responder a esses testes.
Na escola, você está lidando com crianças e adolescentes, que estão muito a fim de fazer outra coisa. Se você tem a metodologia adequada, você precisa fazer ele ficar a fim daquilo. O que se precisa faer na escola é uma instituição de que o aprender seja uma coisa prazerosa. Tudo o que fazemos é para que não seja isso.
iG – Por que você defende um conselho diretivo em lugar de um diretor?
Paro – Falo em conselho diretivo baseado na realidade, porque nas escolas temos um diretor que em toda a rede de ensino é o responsável último pela escola. Ele tem a aparência de um tremendo poder, mas que não tem poder nenhum. Ele está ali para fazer aquilo que o sistema quer porque quem o nomeia e quem o demite é o poder estatal.
O modelo é o mesmo da administração empresarial. E quando se examina à luz da ciência e de uma política de educação, vê-se que está tudo errado. A escola para funcionar não precisa de alguém que mande, ela precisa de alguém que pense, de pessoas que dialoguem entre si. Quem deveria mandar ali são os alunos e os pais de alunos.
A solução que imagino é que você tenha uma escola que seja administrada por um conselho de coordenadores. Isso tem uma intenção política que é tirar a educação da dominação do Estado. Se você tem um diretor que é representante do Estado, ele vai fazer o que o Estado quer. Se você elege três ou quatro coordenadores, você pode dividir o trabalho e eles são os diretores. Nenhum é chefe de ninguém e o trabalho é dividido. Assim você consegue estimular os pais a partiparem na escola, a dialogarem. Eles vão depender dos pais porque seria a comunidade que os escolheriam.
“É um absurdo o que nós temos hoje de ter greve de professores, como está tendo agora, e os pais não estarem lá. Por que acontece isso? Porque não existe contato entre os professores e os pais
Se você, como coordenador da escola, chama os pais e os pais querem determinado recurso, você é pressionado pelos pais a reivindicar isso do Estado. E quando você vai reivindicar, os pais estão juntos. Hoje o diretor vai lá reivindicar e ele sozinho não representa porcaria nenhuma. Ele pede e o secretário de educação diz que não vai dar e acabou. Nesse conselho diretivo é diferente, porque ele vai respaldado pelos pais.
É um absurdo o que nós temos hoje de ter greve de professores, como está tendo agora, e os pais não estarem lá. Por que acontece isso? Porque não existe contato entre os professores e os pais. Quando o pai chega na escola, os professores em vez de darem um abraço nele, falam para o pai que a culpa do aluno não aprender é do proprio aluno, que não estuda, que não quer, que isso que aquilo. O pai não tem nenhuma empatia com o professor. Você precisa criar essa empatia para que o pai esteja ao lado do professor e instrumentalizando o professor para conseguir melhores salários e melhores condições para a educação.
iG – Quando a secretaria apresenta as suas políticas e programas de ensino, o diretor é o responsável, diante dos professores e dos pais, de torná-las realidade. E quando essa política não funciona, o Estado fala que a culpa é desse diretor.
Paro – Quando falam em formar o diretor é uma forma de dizer que a escola não funciona não é porque faltam recursos, não é porque não tem objetivos, é por causa da incompetência do diretor.
A avaliação em educação no Brasil é um subterfúgio para evitar a avaliação de verdade. Avaliação é algo que se faz a todo momento e a todo instante, é a verificação se os esforços que estamos fazendo estão adequados ao fim que nós temos. Na escola, isso é mais necessário do que nunca. Enquanto você está desenvolvendo uma atividade, você tem de conversar com o aluno para saber se ele está acompanhando ou não. Do jeito que está, você faz uma avaliação que é mentirosa. É só pensar quantos milhões de pessoas fizeram ensino fundamental e passaram com pelo menos nota cinco. Faça um teste com ela agora, após anos, para ver se ela realmente sabe aquilo. Não sabe nada. Seu diploma diz que você sabe os afluentes do Amazonas, sabe fazer equação de segundo grau, sabe um monte de coisa.
iG – Mas aí há que se questionar o que está nesse currículo, não?
Paro – Concordo. Mas também temos que questionar essa avaliação que diz que você sabe uma coisa que você não sabe. Será que nossos ministros de educação passariam no Enem? Acho que não. Esse tipo de avaliação ou é enganosa ou é chorar por um leite derramado. Isso tem que ser feito antes dele não saber.
Eu sou favorável a um currículo básico, não uma camisa de força. Nas disciplinas de conhecimento, matemática, geografia, história, você coloca lá o conteúdo básico. Mas é preciso saber que não é só isso que faz o cidadão. Ninguém aqui é contra o conteúdo, mas o que chamam por aí de conteúdo é apenas uma parte apenas do que é preciso para o ser humano. O ser humano é feito de conhecimentos, de valores, de crenças, de ciência, de filosofia, de arte, de direitos. Você quer coisa mais dramática do que uma população que não sabe se prevenir da dengue? Isso está aí e não está na escola.
iG – O senhor falou muito sobre a necessidade da população estar perto da escola. Como se faz para criar essa relação de proximidade entre professores e pais?
Paro – Não é o pai que não quer ir à escola, é a escola que expulsa o pai normalmente. Não é verdade que o pai não tem tempo para ir à escola, ele passa uma hora e meia assistindo a um jogo de futebol, ele passa horas conversando na rua ou em um bar. O que acontece é que a escola não é um lugar prazeroso para ele. A escola é uma das coisas mais penosas para os pais. Os pais das camadas trabalhadoras, em grande parte, foram expulsos da escola [quando alunos], foram considerados burros, lentos e bagunceiros. E isso não é verdade. Quando a escola não ensina, a culpa é da escola.
“Os professores precisam aprender como lidar com esse pai, conversar com esse pai. Se você dá um elogio para o filho desse pai, você ganha um ajudante em casa
O pai aprendeu desde criancinha que ele é fraco, que ele é burro. Aí, ele sonha em ter um filho que será a segunda chance dele. Intimamente, ele sente que se o filho dele aprender é porque não é filho de um burro. Isso que é pungente e as pessoas não percebem isso. Esse aluno vai para a escola e o pai diz “a escola é boa, estude”.
No primeiro dia de aula, essa criança deveria ser abraçada, beijada, ter tido seu nome dito em voz alta, se sentir sujeito. Qual escola faz isso? A primeira coisa que a criança ouve é que isso daqui é a escola, não é para brincar. A criança começa a ter um choque com a realidade e não aprende, porque a escola não ensina.
iG – Quando conversamos com os pais é comum ouvir que eles vão à escola para receber bronca e é isso. 
Exato. Primeira reunião de pais, os pais entram como se fossem para a forca. Isso que é gritante, o fato de que os nossos cidadãos vão à escola como se fosse privilégio e não como se fosse um direito. Eles são donos daquilo e vão lá como se estivessem recebendo um favor.
A primeira coisa que o professor diz na reunião é “Pai do Joãozinho, ah, não dá. Muito lento, muito bagunceiro. Você precisa fazer alguma coisa em casa”. E aí, o professor coloca na criança e no pai a culpa da educação. Aquele pai que tinha esperança de que o filho era sua segunda chance, frustrou. Naquela meia hora antes da reunião, aquele pai deveria estar conversando com o outro pai dizendo como o filho é esperto, porque é disso que o pai gosta de falar, para ele o filho é a coisa mais importante do mundo. E esse pai tem que ouvir na frente de todos de como o seu filho é bagunceiro. Como ele vai gostar de participar da escola?
Os professores precisam aprender como lidar com esse pai, conversar com esse pai. Se você dá um elogio para o filho desse pai, você ganha um ajudante em casa. Esse pai, mesmo se for analfabeto, vai chegar em casa e querer ajudar o filho. Ele tem que ajudar esse pai a ajudar seu filho em casa, explicar como é que ele pode ajudar. Assim, esse pai vai ser diferente. Isso não cabe em uma prova do Saeb.